quarta-feira, setembro 06, 2006

Apito Dourado: Loureiros escolhiam árbitros para o Boavista

Valentim e João Loureiro escolhiam, por diversas vezes, os árbitros para os jogos do Boavista a contar para a época 2003/2004. As escutas telefónicas do processo "Apito Dourado" demonstram que quer o presidente da Liga de Clubes quer o líder do Boavista faziam chegar aos árbitros escolhidos a mensagem da promoção na carreira a troco de uma "boa" arbitragem. Também o Marítimo procurou obter favores dos árbitros. Numa escuta, António Henriques (ex-dirigente da Federação Portuguesa de Futebol) garantiu que no jogo entre o Marítimo e o Nacional da Madeira, este clube iria ser "bem roubadinho". E foi, como anuiu, um dia depois da partida, o árbitro Martins dos Santos.
Além dos casos relativos à II Divisão B e que envolviam o Gondomar (cujo processo aguarda a abertura da fase de instrução), a investigação detectou suspeitas de corrupção desportiva na I Liga. E foram remetidas certidões para várias comarcas do País.
Um dos jogos que constam das certidões extraídas pelo MP de Gondomar é o Boavista-Alverca. A partida acabou com a vitória dos axadrezados (2-1), que marcaram os golos nos sete minutos de compensação dados pelo árbitro Paulo Pereira. Valentim Loureiro foi quem informou o árbitro da classificação do observador do jogo - oito pontos. "Já sabe que conta aqui comigo", disse o major ao juiz, numa conversa interceptada pela Polícia Judiciária.
Já em relação ao jogo Boavista-FC Porto (que foi arquivado por falta de provas que sustentassem uma acusação de corrupção desportiva), Valentim questionou Júlio Mouco, da Comissão de Arbitragem da Liga, por que razão não tinha sido nomeado o auxiliar Devesa Neto. "Eu tinha acertado com o dr. João Loureiro que seria o Devesa", disse. Mas o presidente da comissão, Luís Guilherme, não tinha aprovado a nomeação. José Ramalho foi o escolhido e o major pede a Júlio Mouco para transmitir uma mensagem ao auxiliar: "Diga que está lá o presidente da Liga." O major não gostou da actuação de José Ramalho e queixou-se a Luís Guilherme e a Júlio Mouco. A este último lançou um ultimato: "Eu quero ver o que vai acontecer a este filho da puta, eu quero ver o que lhe vão fazer. Tem que se escrever, ok?", afirmou o major.
Neste encontro, apesar de o Boavista ter vencido a equipa de Moreira de Cónegos por 1-0, Valentim Loureiro não gostou da prestação do auxiliar Carlos do Carmo. E disse-lhe: "Você sabe que ainda neste defeso você estava não sei quê e eu, aquilo que posso, pelos amigos, faço", segundo uma escuta do processo. "Bem, da próxima você porta-se melhor, senão puxo-lhe as orelhas", conclui o major na conversa telefónica com Carlos do Carmo. O MP entendeu arquivar esta situação.

'Modus operandi'
Segundo o procurador Carlos Teixeira, o modo de actuação de Valentim e de João Loureiro passa, além das sugestões de nomes, pelo conhecimento antecipado dos nomes dos árbitros escolhidos. Tal permitia-lhes encetar os contactos com antecedência. Exemplo disto são as escutas interceptadas antes do jogo Belenenses-Boavista, arbitrado por Bruno Paixão. Numa conversa interceptada entre João Loureiro e Ezequiel Feijão, um ex-árbitro e observador da Liga, o presidente do Boavista pede que a equipa de arbitragem seja abordada, dando as instruções: "Ele [Bruno Paixão] chegou onde pediu (...), se quer umas viagenzinhas para o ano e tal... temos... temos... de atalhar caminho, pá!(...) Tu pediste... foi-te concedido".
Também antes do jogo Boavista-Beira-Mar, João Loureiro contactou o observador Pinto Correia para este dar um "toque" ao árbitro Nuno Almedeia. E a abordagem deveria ser esta: "Que nós que temos grande consideração(...), é malta que o pode fazer chegar onde ele quer... porque ele é ambicioso e tal", segundo uma conversa interceptada. Pinto Correia serenou João Loureiro: "Eu sei como é que lhe dou a volta".
No Marítimo-Nacional da Madeira, o árbitro Martins dos Santos foi escutado a confessar que prejudicou o Nacional: "Queriam lá um penalty, mas eu puni o gajo com amarelo." Ao árbitro foi prometida a subida de escalão na arbitragem do seu filho André Santos . "Consegue dar-me essa graça que eu responsabilizo-me pela outra", disse Martins dos Santos a António Henriques da FPF.